“O 13 de Maio foi uma ilusão para os negros e uma conveniência para a elite brasileira branca, que, historicamente, carrega a marca racista e hegemônica eurocêntrica, que definiu uma forma capitalista de lucro acima da vida”, aponta o integrante do Quilombo Raça e Classe Julio Condaque, que também integra o Setorial de Negras e Negros da CSP-Conlutas.
“Precisamos nos aquilombar, nos auto-organizarmos como os quilombolas, como classe, com identidade étnica contra os algozes que insistem em nos açoitar”, reforça Júlio.
É necessário afirmar que houve revoltas, rebeliões, formações de quilombos, movimentos urbanos e rurais, com apoio de intelectuais negros e brancos contra a escravidão e pela libertação do povo negro.
Tudo isso, com a participação de várias lideranças negras ao longo da história, como Manuel Quirino, Luis Gama, José Bonifácio, José do Patrocínio, Castro Alves, Lima Barreto, Zumbi, Ganga Zumba, Zeferina, Dandara, Acotirene entre outras importantes personalidades negras.
Resgate histórico
Para Florestan Fernandes, o fim institucional da escravidão “vista de uma perspectiva histórica ampla, o 13 de Maio não constituía o marco da generosidade da raça dominante. Era uma data histórica que testemunhava a vitória dos de baixo, uma data de significado popular. Os principais agentes dessa vitória eram os próprios negros”.
A transição para a nova sociedade pautada pelo trabalho livre foi marcada pela exclusão violenta da classe trabalhadora negra operada pelo racismo institucional. Esse processo excludente foi responsável pela construção de barreiras sociais e econômicas como resposta das elites coloniais para dificultar a inclusão dos negros e negras no novo regime pós-abolição. Essa situação resultou em uma liberdade precária, na medida em que estavam obrigados ao trabalho aviltante e sem proteção social e institucional.
Governos aprofundam desigualdades
Contudo, a população negra inserida nas lutas do conjunto da classe trabalhadora desenvolveu enfrentamentos que resultou em conquistas de direitos importantes para proteção ao trabalho e melhoria das suas condições de vida.
Esse processo que se consolida na constituição de 1988, vem sendo desmontado pelos sucessivos governos do período da chamada “nova república” e se aprofunda no contexto atual com o fracasso dos governos de conciliação de classes.
Essa política, comandada pelo petismo, abriu passagem para a chegada ao poder do governo ultra-diretista de Temer e agora pelo neo-fascista de Jair Bolsonaro, que opera a finalização do desmonte com novas contra-reformas do estado brasileiro.
Esses governos vêm desmontando os direitos trabalhistas e as políticas de seguridade e assistência social, além de sinalizar sérias ameaças às liberdades democráticas.
O desmonte do estado brasileiro, não atinge a todos de forma igual, quem mais sofre com este desmantelamento são as populações mais pobres, composta na sua maioria por negros, indígenas, comunidades tradicionais. Vítimas do racismo ambiental e estrutural e faz parte de uma ação genocida que invade o mundo rural e urbano, denominado de política da morte, porque prioriza o lucro em detrimento da vida.
Exclusão
Dados confirmam que passado todo esse tempo os negros no Brasil ainda vivem uma “escravidão moderna” provocada por um profundo contexto de desigualdades. O estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), aponta que em 2018 o desemprego da população negra correspondia 64,2% no país. Esse levantamento também destaca para o grave fato de que cerca de 47,3% das pessoas em ocupações informais eram negras. Números agravados por leis que aprofundam a retira de direitos da classe trabalhadora, como as reformas trabalhista e da previdência.
Também são os jovens negros que mais morrem nas mãos da polícia. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, 74,5% das pessoas assassinadas em intervenção policial eram negras.
Quando não são mortos pelo braço armado do estado, muitos negros no país têm como destino a prisão. O sistema carcerário segue sendo ocupado majoritariamente pela população negra, representando cerca 61,6% dos detidos no país, de acordo com levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, feito em junho de 2017.
Mulheres negras mais penalizadas
Se realizado o corte de gênero e raça esses dados se apresentam ainda mais alarmantes para a população negra. As trabalhadoras negras são o principal grupo de risco nos casos de feminicídio. Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019 mostram que 61% das mulheres que foram mortas por seus companheiros no Brasil tinham essa cor de pele.
As mulheres negras têm três vezes mais chances de serem vítimas de feminicídio, do que mulheres brancas. Segundo informações do Mapa da Violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil, no período entre 2003 e 2013, o número de homicídios das mulheres negras saltou de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013.
Em contraposição, houve recuo de 9,8% nos crimes envolvendo mulheres brancas, que caiu de 1.747 para 1.576 entre os anos. As vítimas de crimes violentos são mulheres jovens, a maioria entre 18 e 30 anos, negras e pobres. O estudo mostrou ainda que 50,3% das vítimas são assassinadas por familiares e 33,2% dos crimes são cometidos por parceiros ou ex-parceiros.
No mundo do trabalho, as trabalhadoras negras no Brasil são a maioria das chefas de família, mães solos, a maioria das trabalhadoras domésticas, muitas sem carteira assinada, muitas na informalidade. São as primeiras atacadas pela retirada de direitos, pela crise econômica, pelo desemprego.
São destinadas a essa classe da sociedade os piores salários, com remuneração media de R$ 934 em 2018, enquanto brancos ganhavam R$ 1.846, com pelo menos 32% da população negra vivendo abaixo da linha da pobreza.
Isolamento social: e o aumento da violência contra as mulheres
A combinação perversa de racismo e machismo atinge violentamente as mulheres negras, que além de desassistidas pela falta de políticas públicas específicas, sofrem com o aumento de casos de violência doméstica.
A Covid-19 não torna os homens agressivos. A violência vem do machismo histórico na sociedade brasileira. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as mulheres estão de fato mais vulneráveis diante da pandemia do novo coronavírus e quando se faz o recorte de raça e classe, nota-se que as mulheres negras, historicamente na base da pirâmide social, estão muito mais.
Pandemia mata mais negras e negros
As condições adversas a que os brasileiros vivem com a pandemia da Covid-19 escancaram ainda mais o racismo existente no país. Essa triste constatação tem relação com a falta de acesso à saúde de qualidade na população, que dependem do SUS (Sistema Único de Saúde).
De acordo com o Dado da Sociedade Brasileira de Medicina de Família, com o avanço da doença nas periferias, negros representam quase 1 em cada 4 dos brasileiros hospitalizados com Síndrome Respiratória Aguda Grave (23,1%), mas chegam a 1 em cada 3 entre os mortos pelo vírus (32,8%).
É simbólico considerar que as primeiras vítimas fatais pela Covid-19 foram empregadas domésticas negras, que contraíram a doença por meio de seus empregadores. Mas não por acaso, a medida em que a sociedade hoje é permeada pelo racismo, as empregadas domésticas, infelizmente, ainda carregam toda uma carga histórica do período escravocrata.
Reparação, já!
Nesses 132 anos de abolição sem reparação é preciso enfatizar a necessidade das políticas de ações afirmativas e de igualdade de direitos, mas também dizer o quanto ainda são insuficientes, podendo ser constadas pelos diversos índices que mostram o lugar que a população negra brasileira está localizada nesta sociedade do capital.
Por isso, neste dia, o movimento negro exige reparação histórica, já e denuncia essa farsa da abolição. Pela vida e por direitos do povo negro e pobre.
Vamos lutar por outro modelo de sociedade, o socialismo, que de fato promova a igualdade social, respeite as diferenças e ponha fim à opressão e exploração.
Fora Bolsonaro e Mourão! Vidas negras importam, parem de nos matar!
Fonte: CSP-Conlutas