Uma imagem poderosa marcou o enterro dos cinco jovens executados pela PM do Rio no fim de semana. Aos prantos, a mãe de um dos mortos segurava uma bandeira do Brasil cheia de furos, como o carro alvejado pelos fuzis.
A perícia contou mais de 60 buracos no veículo. Quatro policiais foram presos, sob suspeita de mudar a cena do crime para tentar culpar as vítimas. Eles registraram as mortes como "auto de resistência", definição oficial para legítima defesa.
Os jovens foram fuzilados ao fim de um dia de festa. Eles comemoravam o primeiro emprego do caçula, de 16 anos. O mais velho tinha 25 e trabalhava com o pai como pedreiro.
As mortes provocadas pela polícia se tornaram epidemia no Rio.
Nos últimos dez anos, foram 8.466, média superior a dois casos por dia. A impunidade é regra mesmo quando há alguma investigação. Dos 220 inquéritos abertos em 2011, só um resultou em denúncia até abril desde ano, segundo a Anistia Internacional.
Wilton, Wesley, Cleiton, Carlos Eduardo e Roberto tinham o perfil típico das vítimas da PM. Eram homens (99,5% dos casos), negros (79%) e estavam entre os 15 e os 29 anos (75%). Também eram pobres, claro, e tinham o azar de morar na vizinhança do batalhão de Irajá, recordista de "autos de resistência".
Para o diretor-executivo da Anistia no Brasil, Atila Roque, os casos mostram a "banalização do extermínio" no Rio. "Estamos diante de uma rotina de horror. Não é razoável que agentes que carregam armas para defender a sociedade sejam responsáveis por executar cidadãos", afirma.
O secretário José Mariano Beltrame chamou a ação dos PMs de "indefensável". O governador Luiz Fernando Pezão se disse "muito triste". As palavras não vão consolar as famílias nem evitar novas tragédias.
"Enquanto a sociedade não exigir uma política de segurança que tenha a defesa da vida como valor principal, isso continuará a acontecer", diz Atila Roque. Alguém duvida?
Bernardo Mello Franco é articulista do jornal Folha de S. Paulo