Crer que Jair Bolsonaro possa ser domado é um ato de fé. Desde os tempos do quartel, ele pensa e age como um extremista. Sua carreira política foi construída com mentiras, insultos e ameaças à democracia.
Na Presidência, o capitão continua o mesmo. Seu governo opera na lógica do confronto permanente. Quem tenta moderá-lo é hostilizado e recebe a pecha de traidor, como ocorreu com o general Santos Cruz.
No pronunciamento de terça, o presidente ensaiou uma mudança de tom sobre o coronavírus. Depois de chamar a epidemia de “gripezinha”, disse que seu combate será o “maior desafio da nossa geração”.
Lendo o teleprompter, Bolsonaro pregou a “união de todos num grande pacto pela preservação da vida e dos empregos: Parlamento, Judiciário, governadores, prefeitos e sociedade”. Logo ele, que nas últimas semanas foi a um ato pelo fechamento do Congresso e chamou os governadores de “exterminadores de empregos”.
Acreditou quem quis. Em menos de 12 horas, o presidente arrancou a máscara da conciliação. Ontem ele divulgou um vídeo apócrifo para atacar os governadores e torpedear as medidas de isolamento social. Na peça, um homem dizia faltar comida na Ceasa de Belo Horizonte.
A cascata foi desmontada pela rádio CBN. O repórter Pedro Bohnenberger visitou o local e mostrou que não havia desabastecimento. Pelo contrário: as vendas aumentaram na pandemia, já que as pessoas passaram a fazer mais refeições em casa.
Bolsonaro não está sozinho na difusão de fake news. Na terça, Sergio Moro propagou uma lorota para fazer populismo penal. Segundo o ministro, um preso libertado por causa da pandemia teria sido flagrado com 124 quilos de cocaína, sete fuzis e uma submetralhadora. “Situação do indivíduo que é colocado em prisão domiciliar por questões humanitárias relacionadas ao coronavírus”, concluiu, com ar de reprovação.
A história era falsa, revelou checagem do Fato ou Fake. Moro não se desculpou, e sua assessoria disse que “a recomendação dada na entrevista continua sendo válida”. Ontem foi Primeiro de Abril, mas o governo pensa que todo dia é Dia da Mentira.
Bernardo Mello Franco é jornalista de O Globo