Enquanto a plateia se distrai com a Copa do Mundo, os planos de saúde gritam gol. Os empresários do setor não foram à Rússia, mas receberam uma bola açucarada da ANS. No apagar das luzes do governo Temer, a agência editou normas que podem dobrar o gasto mensal dos segurados.
As mudanças foram publicadas no dia 28 no “Diário Oficial”. Com a canetada, os planos ganharam aval para tomar mais dinheiro dos clientes. Quem ficar doente poderá ser obrigado a pagar 40% do valor dos procedimentos médicos. Além da mensalidade e dos remédios, é claro.
“Essas regras são tão abusivas que dá vontade de chorar”, desabafa Ligia Bahia, professora da UFRJ e doutora em Saúde Pública pela Fiocruz. “A agência reguladora deveria garantir que quem está doente seja atendido. O que estão fazendo é o contrário, e sem base legal”, afirma.
A ANS alega que protegeu os segurados ao estabelecer que a regra não valerá para tratamentos crônicos, como quimioterapia e hemodiálise. É uma meia verdade. Um doente com câncer não pagará a mais pela químio, mas poderá ser sobretaxado a cada vez que precisar de exames, fisioterapia ou apoio nutricional.
O mês da Copa tem sido lucrativo para os planos de saúde. No dia 5, o Senado aprovou a indicação de Rogério Scarabel Barbosa para o cargo de diretor da ANS. Ele era advogado de seguradoras antes de ganhar uma vaga na agência que deveria fiscalizá-las. O senador Randolfe Rodrigues comparou a nomeação à escolha de uma raposa para cuidar do galinheiro.
Na semana seguinte, a mesma ANS autorizou um reajuste de 10% nos planos individuais, uma goleada sobre a inflação oficial de 2,76%. O aumento chegou a ser barrado na Justiça. O desembargador Neilton dos Santos cassou a liminar no último dia 22, dia de Brasil x Costa Rica.
Em 2017, deputados ligados aos planos de saúde tentaram mudar a legislação para aumentar os lucros das empresas. As entidades de defesa do consumidor reagiram, e a proposta não chegou a ser votada.
Com o novo pacote, o governo encontrou um atalho para presentear as seguradoras sem depender da Câmara. Por mais que o lobby dos planos seja forte, os parlamentares ainda precisam do voto dos pacientes para se reeleger. Não é o caso do presidente da República.
Bernardo Mello Franco é articulista do jornal O Globo