A poucos dias do fim da CLT, surgiu um defensor sincero da reforma trabalhista. É o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Filho. Em entrevista à Folha, ele disse o que governo e empresários se recusam a admitir: a mudança na lei vai resultar na redução de direitos sociais.
"Nunca vou conseguir combater desemprego só aumentando direito", disse o ministro. "Vou ter que admitir que, para garantia de emprego, tenho que reduzir um pouquinho, flexibilizar um pouquinho os direitos sociais", acrescentou.
Nos últimos meses, o cidadão que tentou se informar sobre a reforma ouviu de Michel Temer que o governo não seria "idiota" de restringir direitos. "Não haverá nenhum direito a menos para o trabalhador", prometeu. A declaração de Gandra sugere que o idiota da história foi quem acreditou na palavra do presidente.
Na entrevista à repórter Laís Alegretti, o chefe do TST também defendeu as novas regras para indenizações por danos morais. Agora os valores serão calculados de acordo com o salário do ofendido. "Não é possível dar a uma pessoa que recebia um mínimo o mesmo tratamento [...] que dou para quem recebe salário de R$ 50 mil. É como se o fulano tivesse ganhado na loteria", comparou.
As declarações chocaram o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury. "Confesso que estou assustado", ele me disse, após ler a entrevista. "O ministro expôs uma mentalidade de que o pobre deve continuar pobre. Ele defende um sistema de castas, onde o sofrimento da pessoa é medido pelo que ela ganha."
No sistema brasileiro, Gandra pertence a uma casta superior: a elite do funcionalismo. Além do salário de R$ 30 mil, ele recebe R$ 6,5 mil em auxílios e gratificações. Em dezembro passado, seu contracheque chegou a R$ 85,7 mil, incluindo 13º, férias e um extra de R$ 3.300 por "instrutoria interna". Definitivamente, o ministro não precisa se preocupar com as consequências da reforma que apoia.
Bernardo Mello Franco é jornalista e articulista da Folha de S. Paulo