O coronavírus vai pesar em dobro sobre os brasileiros mais pobres. Além de sofrer com a desaceleração da economia e com a lentidão do governo em implantar medidas de emergência, a população de baixa renda deve ser atingida de maneira mais grave pela doença.
Para quem vive com pouco dinheiro, a primeira onda da pandemia chegou cedo. Nos grupos mais pobres ouvidos pelo Datafolha, sete em cada dez pessoas não podem trabalhar de casa e esperam perder parte de suas rendas. Já uma pesquisa do Data Favela mostra que 58% dos moradores desses bairros não têm comida para mais uma semana.
A severidade dos casos de Covid-19 também pode ser maior para esses brasileiros. Um estudo feito por Laura Carvalho, Luiza Nassif Pires e Laura de Lima Xavier mostra que, entre os mais pobres, há uma incidência desproporcional de fatores de risco, que aumentam o perigo de morte.
Na população que só completou até o ensino fundamental, 54% têm doenças crônicas como diabetes, hipertensão e problemas pulmonares. Entre pessoas que cursaram o ensino médio ou o ensino superior, esses índices são de 28% e 34%.
Outras duas dimensões agravam a crise na base da pirâmide social: mais chances de contágio e a precariedade do sistema de saúde. Os mais pobres ficam mais expostos ao vírus no transporte público e em casas com muitos moradores. Também têm menos acesso aos leitos hospitalares do que quem usa a rede privada.
"Somadas as três dimensões, você tem como resultados mais óbitos entre os mais pobres, que são justamente aqueles que são chamados a trabalhar, dada a vulnerabilidade econômica", diz Laura Carvalho. "Acumulam-se problemas que tendem a tornar essa pandemia uma pandemia com caráter muito desigual."
A população mais pobre foi usada como peça da propaganda negacionista de Jair Bolsonaro contra o coronavírus. O presidente explora o desespero daqueles que correm o risco de passar fome, mas deveria trabalhar com urgência para protegê-los.
Bruno Boghossian é jornalista da Folha de S. Paulo