Desigualdade social

Na cidade de SP, morador de bairro rico vive 23 anos a mais que de bairro pobre

Na cidade de SP, morador de bairro rico vive 23 anos a mais que de bairro pobre
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Cerca de 40 quilômetros e 23 anos de vida separam um morador de Moema, bairro rico da zona sul de São Paulo, de alguém que vive na Cidade Tiradentes, bairro pobre na zona leste. A taxa de mortalidade infantil em Marsilac, no extremo sul, é 23 vezes maior do que em Perdizes, na zona oeste. Pode-se ir a pé a diferentes cinemas na região da avenida Paulista, mas 54 distritos da capital não têm sequer uma única sala de cinema.

São Paulo concentra, em uma só cidade, índices comparáveis aos dos países mais ricos e aos dos países mais pobres do mundo, mostra o Mapa da Desigualdade, da Rede Nossa São Paulo, publicado nesta terça-feira (5), que compara indicadores dos 93 distritos e escancara os contrastes da metrópole paulistana.

Um dos mais gritantes é a idade média ao morrer. Em Moema, a média de idade das pessoas que morreram ao longo do ano passado foi de 80,6 anos —a fins de comparação, a expectativa de vida da Alemanha e da Dinamarca é de 81 anos.

Já na Cidade Tiradentes, esse número foi de 57,3 anos —pouco mais que um morador da Somália.

O cálculo da ONG não é o de expectativa de vida ao nascer, que considera uma série de fatores, como o índice de desenvolvimento humano. O que a Rede Nossa São Paulo faz é uma média entre as idades das pessoas que morreram em determinado ano —o que inclui, aí, mortalidade infantil, que é alta na Cidade Tiradentes.

A violência é tida como outro fator importante por baixar o tempo médio de vida no distrito da zona leste. O impacto é cíclico, já que a criminalidade é considerada agente de atraso do desenvolvimento econômico —estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) estima que as perdas do país com a violência custam o equivalente a 6% do PIB do país.

“Isso mostra as complexidades de se viver em um lugar onde há uma desigualdade tão grande. Existem várias cidades numa só”, diz Carolina Guimarães, coordenadora da Rede Nossa São Paulo.

Morador da Cidade Tiradentes, Ângelo Guilherme brinca que “graças a Deus” passou da média e chegou aos 67 anos.

“A gente depende muito do governo aqui, que aparece pouco. Mas no ano que vem, na eleição, vai ter político aqui das 7h à 22h pedindo voto. Enquanto isso a gente tem que fazer o que dá. A gente é incansável, não para”, diz ele, que montou uma associação cultural, a Elite, que dá aulas de futebol, balé, cursos profissionalizantes e atua na luta por moradia. “Esse projeto já tirou muita gente da rua aqui”, diz.

A região concentra os piores indicadores de mortalidade infantil (23 vezes maior do que em Perdizes) e gravidez na adolescência que é 53,4 vezes maior do que em Moema.

Pouco antes de falar com a Folha, o conselheiro tutelar João Cedro, 46, atendia uma avó da região que não sabia o que fazer com a neta, que, com 14 anos, está no quinto mês de gravidez.

“É muito comum aqui, sempre chegam casos para mim. Aí a adolescente fica grávida, precisa abandonar a escola, não arruma emprego e o ciclo continua”, diz ele. “E a gente fica de mãos atadas. Nesse caso específico, a avó disse que a orientou o tempo todo, mas a menina se envolveu com um rapaz maior de idade da escola e, quando viu, engravidou.”

O mapa mostra ainda que a maior parte dos distritos da cidade não têm nenhum equipamento cultural, seja casa de show, biblioteca, teatro ou cinema —neste domingo (3), o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) pediu que os candidatos escrevessem uma dissertação sobre o acesso ao cinema.

A lógica periferia versus centro, no entanto, “destoa em alguns temas”, diz Carolina Guimarães. “É interessante pensar que os ricos, que pagam mais para viver, respiram um ar mais impuro e estão mais sujeitos a acidentes de trânsito”, afirma ela.

Segundo os dados do mapa, distritos centrais, como Sé, República e Bela Vista, e áreas ricas, como Pinheiros, Moema, Itaim Bibi e Jardim Paulista concentram até 1.200 vezes mais poluição atmosférica do que bairros afastados e mais pobres, como Marsilac, Parelheiros, Grajaú e Perus.

O principal fator que explica essa desigualdade é o tráfego muito menor de carros nessas regiões.

Pelo mesmo motivo, distritos como Barra Funda, Sé e Bom Retiro, além de áreas ricas como Morumbi, Pinheiros e Itaim Bibi, registram até 13 vezes mais acidentes de trânsito que o Jardim ngela, São Rafael e Cidade Tiradentes.

“Quando você fala de legislação em São Paulo, é incrível. Tem Plano Municipal pela Primeira Infância, plano de segurança viária, plano de mudanças climáticas. Mas quando vê, esses planos e esses direitos não estão sendo territorializados. Isso mostra como a cidade ainda tem muito a se desenvolver”, diz Guimarães.

Fonte: Folha de S. Paulo