"Se um dia você sofrer um acidente grave, um tiro ou uma facada e tiver condições de falar, peça para te levarem ao Hospital das Clínicas. Não importa que o seu convênio dê direito ao Sírio e ao Einstein. No hospital público estarão os profissionais mais experientes para cuidar desses casos porque fazem isso o tempo todo."
Na última quinta (6), tão logo soube da facada da qual foi vítima o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), lembrei-me dessa recomendação feita anos atrás por um médico amigo, quando me mudei para São Paulo.
Bolsonaro foi levado à Santa Casa de Juiz de Fora (MG). A rapidez com que foi atendido e a eficiência da equipe médica foram fundamentais para salvar a vida do candidato. Ele chegou à emergência do hospital, localizado a menos de 1 km do local do atentado, dez minutos após ser esfaqueado.
Ficou na sala vermelha menos de dez minutos e, depois de estabilizado, foi levado para fazer ultrassom de abdômen e uma tomografia, que mostraram um intenso sangramento na cavidade abdominal. A cirurgia foi imediata. No dia seguinte, o candidato foi transferido para o hospital Albert Einstein (SP).
Na Santa Casa de Juiz de Fora, tudo foi pago pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Segundo a revista Piauí, a equipe médica receberá R$ 367,06 pelo tratamento cirúrgico de lesões vasculares traumáticas do abdômen, conforme a tabela. E o hospital, R$ 1.090,80.
Assim como outras instituições filantrópicas do país, o hospital enfrenta dificuldades financeiras, especialmente pela defasagem da tabela de repasses do SUS. Relata prejuízos que ultrapassam R$ 27 milhões, segundo levantamento de 2017.
Mas a julgar pelas proposições para a saúde contidas no programa que inscreveu formalmente no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Bolsonaro não pretende aumentar os recursos para o SUS. Ele considera excessivos os atuais gastos com saúde.
É o que aponta a análise “A saúde nos programas dos candidatos à Presidência da República do Brasil em 2018”, feita pelos pesquisadores Mario Scheffer (USP), Ligia Bahia (UFRJ) e Ialê Falleiros Braga (Fiocruz), a partir das proposições oficiais para a área de todos os candidatos à Presidência da República.
Segundo os autores, Bolsonaro fundamenta seu diagnóstico em dados mal interpretados de um gráfico desatualizado que faz uma comparação de gastos em saúde de diversos países.
Talvez a experiência que teve na Santa Casa de Juiz de Fora faça o candidato e outros presidenciáveis a mudar de ideia sobre o SUS e seu crônico subfinanciamento. Obviamente que isso não elimina a necessidade urgente de o sistema se tornar mais eficiente e conter desperdícios e fraudes.
O atendimento exitoso prestado ao candidato pela Santa Casa de Juiz de Fora reforçou ao país um SUS que funciona, um SUS que atende a todos independentemente das posições ideológicas, orientação sexual, condições socioeconômicas, credo ou cor. Um SUS que vai completar 30 anos no próximo mês e ainda não foi reconhecido pelo brasileiro como um sistema para chamar de seu.
Cláudia Collucci é jornalista especializada em saúde
Fonte: Folha de S. Paulo